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sábado, 25 de abril de 2009

BERNARDO SANTARENO e o meu 25 de Abril de 1974


Quando em 25 de Abril 1974 surgiu o "revolução dos Cravos" , tinha apenas 14 anos.
Mesmo sem qualquer formação política, de perto convivi com algumas situações que na altura não compreendia muito bem, mas que me ia acompanhando. Por pertencer a uma família ligada ao teatro, quase sempre rotulada de Comunista, bem cedo comecei a pisar os palcos, os estúdios de cinema e rádio e bem cedo me habituei á censura que eram os senhores que com um lápis azul riscavam os textos que decorávamos para as peças, folhetins radiofónicos e peças de televisão. Era comum ouvirmos dizer " vamos ver se passa..." e o tal dia do ensaio geral era visto pelos tais senhores que muitas vezes chegavam ao fim e diziam, "esta cena, ou estas palavras... NÃO ! " e lá se cortava, por vezes apenas nos primeiros dias e depois com alguma coragem de muitos colegas actores lá se ia dizendo esta ou aquela "verdade". 
Logo após o 25 Abril, eu estava a trabalhar no Teatro Maria Matos e surgiu a peça que veio mudar um pouco a minha forma de ver as coisas, com ela conheci pessoalmente um Homem que também me marcou profundamente, Bernardo Santareno, autor pioneiro indiscutível, sobretudo pela temática que percorre a sua obra teatral; na época os seus textos eram polémicos, a homossexualidade, o incesto, ou o fim da reforma agrária eram assuntos proibidos. Mas com a revolução de Abril, pode apresentar o seu último trabalho: "Português Escritor,45 anos de idade". 
De um texto tirado da SPA pode ler-se "... Na verdade, e no que toca ao ter deixado de escrever, era nesse sentido que apontava a sua peça "Português, escritor, 45 anos de idade", escrita entre 1973 e 1974. Em grande medida autobiográfica, apresentava-nos um homem desiludido, cansado de viver, à beira de desistir: "Tenho 45 anos e estou farto, cansado, já não acredito em nada. Esta será a minha última peça. Estou desesperado e a vida dói-me horrivelmente. Sim, esta representação é, gostaria que fosse, uma despedida. Uma despedida sem amor. Perdi tudo..." Ora, não foi isso o que aconteceu. Uma revolução, como a de Abril, não podia deixar de fazer sentir os seus efeitos num homem como Santareno. Continuou a viver, empenhado, e a escrever. .."
A peça foi um sucesso tal que esgotava todos os dias. Era impressionante , o meu pequeno papel de neto de um revolucionário entrava em apenas duas cenas, uma em que após o avô ser torturado eu ia visitá-lo ao hospital e jurava ao meu avô que nunca me iria esquecer de defender os valores da liberdade... a minha segunda intervenção, era durante uma manifestação a ser oprimida , quando todos se apoiam uns nos outros e se protegiam , eu rompia por todos eles , me colocava á frente da manifestação e... estendia o braço oferecendo um cravo vermelho, era o fim da peça.
O público saltava das cadeiras e começavam aos gritos: LIBERDADE! VIVA O MFA! O POVO UNIDO JAMAIS SERÁ VENCIDO! O POVO É QUEM MAIS ORDENA !
Vinham camionetas de todo o país, milhares de pessoas vinham para verem a peça, as pessoas choravam agarradas, conheci alguns presos politicos que choravam ao ver a peça, muitos viram-na vezes sem conta, tornava-se num comício; Depois passámos a fazer espectáculos em todo o país durante quase mais um ano... foram tempos incríveis. Nos agradecimentos o Bernardo Santareno um dia agarrou-se a mim com um forte abraço emocionado e disse-me "...OBRIGADO " senti uma grande emoção que hoje, passados 35 anos, continuo a recordá-lo com saudade. Aqui a minha sincera Homenagem .
Também aqui fica a minha homenagem aos colegas actores que entravam na peça e que já partiram, Rogério Paulo, Armando Cortez, Julio Cleto, Baptista Fernandes entre outros e ao grande poeta que foi José Carlos Ary dos Santos, autor de algumas letras das músicas.


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